segunda-feira, 8 de outubro de 2007

"Friends in the twilight"

Friends in the twilight. For Fil, Zé, Joana, Tânia e David.

For Fil, Zé, Joana, Tânia e David.




Original picture by Tânia, Sines 07.

Green thoughts

I see the world and it should be green.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Livre de tudo.

Destinado a evitar conflictos pessoais, chegando até a ser bastante incómodo ao tentar precisamente evitá-los, Ciza encontrou-se perante um pedinte esquivo e pouco confuso. Lançando-lhe um sorriso feio, mas que espelhava uma alma satisfeita, o velho alegre procurou respeitar o olhar invejoso de Ciza, que contemplava a felicidade de liberdade total. Claro que alguém como Ciza, que delimitava o seu espaço e o seu tempo segundo ordens específicas e invioláveis, dedicava pouco tempo a contemplações deste género.
Descendo a rua, Ciza orientava o seu olhar, sempre rápido e assustado, escolhendo o melhor percurso a tomar, reparando no homem soturno que sentava-se no passeio, de charuto apagado na boca, e na mulher que berrava aos filhos por chegarem demasiado cedo a casa depois de um dia de pequenos e médios assaltos, desviou os pés das manchas negras do habitat urbano. Que o seu corpo se tripartia numa coordenação angélica entre os pés, os olhos, e o cérebro, era colocar-lhe um rótulo. Para Ciza era um exercício que exigia um esforço físico inchado, ao ponto de as suas funções se tornarem automatizadas. Isto era, para Ciza, tanto uma maldição como uma benção.
Muitos foram os caminhos que os seus pés e olhos percorreram, variando consoante a disposição dos intervenientes. Tinha medo da rua, dos inconstantes e dos constantes, sentia todas as manobras, olhares, pensamentos, buzinões, gritos, sorrisos, e os dedos que lhe apontavam eram como as cordas que, pensando estando nas mãos, permitindo nadar com os membros inferiores para não se afogar, afinal estão nos pés, como num pesadelo. Tudo lhe sufocava.
As beatas juntavam-se entre o meio-dia e as duas da tarde na esquina na rua ao fundo da grande avenida que Ciza percorria todos os dias, e estivera previamente a submeter-se a mais doses diárias de humilhação por parte dos míudos e das prostitutas da rua acima. Ciza respirava, a cada momento destes que passava, como se nadasse à tona e respirasse até aos seus pulmões, secos de ar, rebentassem. Ele evitava tudo e todos, mas as inspirações fortes e repetidas causadas pelo fluxo excessivo de oxigénio dava-lhe calafrios e tonturas. De joelhos sobre a calçada do passeio, a virtude de homem que evitou todos os mal-entendidos, críticas, humilhações e desentendimentos estendeu-se ao comprido, e Ciza respirou fundo, não como um homem que estava prestes a afogar-se, mas como alguém que deixa tudo para trás, na mesma, como devia de ser, e sempre será, por mais que se evite mudar ou manter igual.
Os paramédicos que socorreram Ciza depressa se aperceberam que estavam perante uma alma perdida e um cadáver pequeno e contorcido, e não conseguiram consentir sobre uma altura em que, no passado, tivessem testemunhado um caso com este. Nunca se tinham deparado com um morto a sorrir.

Tomás J. A. Pinto

Defesas congénitas, nascidas da mente "matinas".

Nada nos assusta tanto como nós próprios, ou nós próprios distorcidos e tranfigurados. Mas o medo provém de situações em que sabemos que alguma coisa trágicamente penetrante tem a remota possibilidade de intervir, negativamente e pedagógicamente, sobre nós. As variedades com que essa possibilidade ocorre define os diferentes estádios de alteração comportamental. O arrepio, o receio, o medo, o terror, o pânico, que evoluem maioritáriamente do perigo ou da mágoa, representam esses níveis. Quanto mais descobrimos sobre nós próprios, mais temeremos, e haverá sempre a coisa mais insignificantemente possível, e impossível, para nos guiar, avisar e restringir.
Tomás J. A. Pinto
Imagem:
"Ghost" by Katsushika Hokusai.

Fisionomia.

Uma aparência rude e negligênciada permite juizos que comportam juizos com valores com os quais se são ajuizados certas características. Um negligência pertinente no caso de uma rude, simples e vaga, pessoa, e os juizos são pararelamente colocados em prós e contras. Que juizo correcto fará o juiz sobre o juizo de uma aparência?

Mea Culpa: quando é de todos, de ninguém, e particularmente minha.

Dignificando a dormência televisiva, anseio pelo comando, apenas para me aperceber de que este não existe, e amolecem-me as expectativas fulcrais ao conforto milenar da placidez ignorante. Os olhos semi-abertos, a garganta seca e a pele óleosa, buscam fagulhas brevissímas, que contrastam com a luz e o fumo. Devagar, com a lentidão com que uma sombra se constroi quando as nuvens levantam e se separam para acompanhar uns momentos de sol, uma presença quase física desperta dentro das imediações da sala, com ruídos sinuosos e confusos, avisando-me de que qualquer coisa se deslocou, que qualquer coisa está fora do lugar. A minha mão pálida avança e treme perante a presença, uma sombra que assusta ao distorcer a forma. Mas o medo apenas atinge o pico, e transforma-se em terror irreal e insensato, ao reparar que a forma distorcida, a sombra distante e imponente, como uma montanha que até então mantivera-se coberta, é a minha.

Tomás J. A. Pinto

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Diálogo sobre as particularidades do sono.

“Os sonhos são para os loucos. Perde-se tempo e a vontade diminui com a idade.” afirma o homem de aspecto ingénuo e frágil.
“Estás a baluciar o quê? Diz lá. Os sonhos são para os loucos… ou são os loucos loucos por perseguirem sonhos?” avança o estranho de casaco escuro de gola alta.
“Diz-me tu!” diz o homenzinho.
“Não, não. Espirra essas tuas explicações para outro. Tu é que falaste nisso, tu é que explicas o teu comentário.”
“Pois… pois sim, tens razão.” Salpica o homenzinho, cada vez mais nervoso. “Então os sonhos são para os loucos. Afirmei-o há cerca de um instante. Pois que tipo de coisas se passaram na vida de um homem para quando o olho fecha e o cérebro dorme, se passarem tais eventos ridículos e insensatos?”
O homem sombrio, que manuseava qualquer coisa brilhante na mão esquerda, levanta a cabeça de modo a olhar directamente nos olhos do homem, retorquindo. “Pois, sabes, os sonhos vêm da união entre os mecanismos do cérebro e a nossa, ou nem sempre a nossa, experiência. São os restos que não conseguimos assimilar durante a nossa actividade que é depois verificada pelo cérebro, por assim dizer.”
“Então os sonhos são para todos? Todos somos loucos, inteligentes, velhos, novos, e a perseguição dos sonhos, quando se deseja, pode ser um coisa boa, mas apenas se for dentro do reino do possível. Se não é possível, então é mesmo para os loucos.” A voz do homem frágil e ingénuo tinha estado a subir gradualmente até à forma de um grito.
“Não, não meu coitado! Os sonhos são presenças metafísicas de eventos do subconsciente. E tratados no nosso cérebro.”
“Então não confias nalguma entrega divina? Na mensagem de algo superior através de algum mecanismo sobrenatural, de que nós somos os receptáculos? Pessoas como tu são especialmente abertas a perspectivas semelhantes.”
“Não. E não tentes pensar que sabes alguma coisa sobre mim. Acredito que o corpo funciona de maneira a aguentar a pressão que, obviamente, não conseguimos aguentar. Todos dormimos. E porquê? Para descansar, especialmente o cérebro, mas sem nunca o desligar.” disse o homem sombrio, ao olhá-lo de lado e acendendo um cigarro. Afasta o fumo com um sopro e endireita-se, como se fosse discursar.
“A meu ver, e digo a meu ver, porque neste momento o que interessa não é o resto do mundo, mas nós. Mais ninguém interessa porque é indiferente o que o resto da população humanóide (humana de uma forma ou outra) posso fazer para evitar o que se vai passar aqui, esta noite. A meu ver, os loucos são considerados loucos por terem a coragem de fazer o que for preciso para evitar sentirem-se descontentes, tristes, deprimidos, até ao ponto de passarem por animais assustados e ignorantes, por coitados. Mas apenas assemelha-se assim, porque a grandeza de saber um coisa e avançar sobre ela é muito mais certa do que uma vida de mentiras.”
“Não podemos ficar apenas contentes pelo que temos, pelo que amamos, pelo que sonhamos, e apenas sonhamos?” chora o homem frágil, decepcionado com o rumo que a conversa estava a tomar.
“Podemos. Mas se esse contentamento que falas reside apenas nos sonhos, e para obtermos essa alegria tivessemos que concretizar os nossos sonhos? Aí já não seriamos loucos, pois não?” sorriu maliciosamente o homem dominante da conversa.
“Vejo que não respondes, por isso continuo. Eu sou louco. Eu corro nos calcanhares de um sonho. Já o concretizei, concretizo-o hoje, e continuarei a concretizá-lo. Para o resto do mundo aparento ser igual, normal, seu semelhante. O resto do mundo não interessa. E tu, e o teu comentário, não interessam.”
O homem frágil encolheu-se perante o homem sombrio. O ritmo das passadas dele juntaram-se consonânticamente ao ranger das cordas que o homem frágil tentava soltar, mas que se tornava mais díficil com o nervosismo espasmático e o pânico.
“Não vale a pena” e cortou-lhe um traço ao longo do pescoço, enquanto olhava para os olhos da sua vítima.
“Agora já não sou louco. Mas contente, seguro, como o resto do mundo.”

quinta-feira, 19 de julho de 2007


De volta à escrita.
Pausa feita.
Em breve mais coisas para os olhos absorverem.
Continuação da procura. A busca continua.
Procura do quê, dizem?
A minha expressão, expressividade, mensagem, [and what not]
[...] T. J. A. P. thanks'a'lot!

Mensagem ao [...]

São-me conhecidas duas artes. A arte de viver e a arte de morrer. Entre as duas há outras artes, que registam como fazemos e trabalhamos com o que nos é dado e tirado. Quer aceitamo-las como parte de nós, quer como reflexo de outros, crescemos de seres pequenos, vivemos, e voltamos a ser seres pequenos, insignificantes para outros, mas grandes para nós próprios, e isso é que nos define e é o que interessa.
Venho da terra, e voltarei para a terra. E por enquanto estou contente. Preso no meio.
Tomás J. A. Pinto

Medo.

A vida passa-me à frente dos olhos sobre as formas de alquímia, a velha arte do desconhecido e das perguntas que permaneçem não-respondidas. Sentado à janela, os olhos correm-me pelas folhas, aquelas a que são oferecidas duas cores. Uma, verde gasto, para a parte de baixo, e outra, verde intenso, para a de cima. O vento mexe e remexe-as, e assim nunca duas folhas de diferentes ramos estão juntas por muito tempo, e nunca elas irão saber se estarão mais alguma vez.
Enquanto sento à janela, imaginando as amizades de folhas e a união de moléculas de CO2 e O2 provenientes do encontro entre tubos de escape e o ar na estrada, os carros que passam acordam o meu cérebro com ruídos raspantes, que o meu cerebro assimila em agonia e irritação. O borbulhar da água a ferver, que coze a massa que serve-me de jantar, avisa-me um regresso ao estado normal, definido por outros de outras patentes, capazes de conceber e comandar o desígnio do destino, a que inevitávelmente iremos parar.
Estou sozinho, e as distrações são os meus consolos. Não posso permitir-me sossego, senão as memórias e os ecos voltam e deixam-me sozinho, profundamente sentado à janela, mas as distrações são distantes e os ecos são maiores. Não posso permitir sossego, e o meu corpo pede inconstância.
O meu maior medo é o silêncio.
Dão-nos duas cores. Temos a superfície, e possuímos outro aspecto, outra face, submersa. Outra cor. Há quem diga que se pensarmos muito numa coisa, encontramo-la. Possuis a consciência e o poder de encontrar as tuas cores? Vejo seres que só têm uma, seja ela a submersa, seja ela a aparente. Mas as duas? São os loucos? Ou serão eles demasiado inteligentes que deixam-se ficar, contentes com o conhecimento que só eles possuiem porque mais nenhum de nós algum dia poderá sequer conceber a noção de algo? O que interessa é a coragem necessária para ultrapassar, misturar as cores. Mas isso não me interessa, porque o que procuro é manter o medo. Medo de encontrar-me verdadeiramente. Medo de magoar alguém, ninguém, todos. Medo de não conseguir separar as vontades e os desejos. O silêncio ajuda e obstrui. É a ferramenta de procura, afastando as distrações. Mas também é o obstáculo, o sossego, a calma do mar que permite regressar a terra.
Silêncio. O que é? A ausência de som? A ausência de seres? A ausência de fricção e percepção, de recepção? A ausência de consciência?
A ausência de vida?

Tomás J. A. Pinto