terça-feira, 12 de junho de 2007

Os restos.


Bem pessoal, está na hora de uma pausa. A época de exames têm um preço e as cefaleias abundam. Procurarei fazer mais ensaios e divagações assim que me sentir repousado. Ultimamente tenho colocado muitas experiências digitais de fotografia no blog. Isto porque "custa" menos e na brincadeira encontro muitas coisas valiosas. Também é bom fazer uma pausa e deixar as sensações e experiências tocarem os nervos.
Até breve, meus caros.
Tomás J. A. Pinto

grelhavanca.



Espiral

E então possuiu-me uma vontade, e uma noção de estar a subir. Não uma certeza, pois uma noção não equivale a uma certeza. Era mais como uma daquelas sensações em que não sei bem se estou a cair se estou a subir. O meu estômago palpita, a querer saltar-me do corpo e atravessar as minhas vísceras, num acto de vingança mereçida. Ele não pedia para estar ao saltos, mas para ser justo (e para mais logo não ficar acordado com a dúvida “será que ele estava a vingar-se?”), nem eu. Estou a subir, tenho a certeza.
Então indicam-me o caminho. Alguém de capuz, que claro não quer que lhe observe as feições desconcertantes de um monge mal-nutrido. Sabe que o vou criticar, o sábio. Hoje em dia ninguém precisa de passar fome (deve ser uma penitência ou voto sagrado). O caminho é uma escada espiralada de pedra, esguia e húmida. Tenho medo de escorregar e partir o fémur. Vertiginosa e mereçida diz-me o tal protegido que a vista é. Subo, subo, a escadaria húmida. Dizem que é especialmente prodigiosa a vista. Subo.
Nunca fui muito daqueles que aprecia vistas. Pelo menos não tanto como aprecio a viagem em si. Prefiro olhar para as escadas, e perguntar quem a construiu, e colocar-me nos pés e nas mãos de quem as fez, que na pequena esperança que tinha esperava por alguém que perguntasse quem fez a escadaria espiralada. Pobre coitado, a História não te registou o feito.
As janelas pequenas ao longo do caminho são batoteiras. Dão amostras da paisagem, da pintura elementar, e enganam quem sobe ao cimo. As amostras, quando as juntamos, dão-nos a obra, e sentimo-nos enganados no topo do mundo.
Falta pouco, diz-me o esfomeado. Fico a ouvi-lo salivar e vejo-lhe fraquejar. Vou-o criticar, ele sabe. Ninguém precisa de passar fome. O diabo mal se aguenta nas pernas magras, e as costas curvadas sobre o manto pesado são janelas de vislumbres batoteiros.
Falta pouco. Abro a porta que dá ao pátio da vista. As gotas de suor novamente arrepiam-me, saltando em saltos curtos pelas costas. Vejo a vista, mesmo diante de mim, e viro-me, sereno.
“Vai comer desgraçado”.

Tomás J. A. Pinto

O conto do caminho.

Era, certa vez, uma rapariga medonha que procurava sapos. Procurava espreme-los e lamber-lhes as costas. Fugia, pelo mato, para fugir ao lar, medonho abrigo de medonha gente. Fugia à procura de sapos, com galhos atordoados frenéticamente a tentar fugir ao cabelo enrolado, atado em nós.
Ao correr pelos arbustros, encontrou um caminho. Era uma coisa invulgar, fora do sítio. Curiosa com o facto de haver um caminho onde não havia caminhos, perguntou aos ventos e às folhas quem o tinha feito. Entrou a correr pelo caminho, a fugir da casa medonha. A sua natureza bruta anseiava pelas respostas, mas não esperava por elas. O sapo corria-lhe nas veias. As elevações do sangue azul nos pulsos assustava-a, mas continuava determinada em encontrar as respostas no fim do caminho.
Era um arrastão de terra que compunha a fresca via, que depressa serpenteava para dentro da densa floresta, que de galhos frenéticos procurava abraçar almas de sangue vivo, quente, activo. À medonha rapariga nenhuns galhos queriam tocar. Afastavam-se com o vento, que subia com a noite, em chuvas de folhas e sombras. As primeiras gotas da noite comunicavam-lhe pensamentos, e a rapariga começou a chorar, lentamente, contida, na esperança de que as lágrimas seriam apenas as primeiras gotas da noite. Não contendo os soluços e as lágrimas, gritou um grito ecoante, como se a floresta fosse uma clareira de ruínas ancestrais. “Porque é que ninguém me quer? Estou viva e quero fugir! Porque é que niguém me leva?” gritou entre os soluços. Era uma floresta antiga, cheia de vida e segredos.
Caída no chão, com a chuva a manchar-lhe o vestido rasgado, sentiu um tremor, crescente. A intensidade do tremor uniu-se ao batimento do seu coração. Viu que estava no fim do caminho, e um sapo gigantesco aproximava-se dela.
“O que se passa, rapariga medonha?” perguntou suavemente o sapo, a proteger-lhe da chuva com o enorme braço. “O que anseias?”
“Quero fugir” disse a rapariga, deitada no chão.
“E porque não foges?”
“Porque não consigo, e não há caminhos”.
Rindo-se calorosamente, o sapo viu o brilho que este causara nos olhos da rapariga medonha.
“Mas eu faço caminhos, e posso ir e vir quando quiser. Tu também podes. É só quereres.”
“Mas…”
“Tu tens poder, rapariga medonha, e podes fazer o teu próprio caminho.”
“Mas eu não sei fazer caminhos. Ensinas-me?”
“Não.”
“Porquê? Porque não me ensinas. É o que eu quero mais no mundo.”
“Raramente sabemos o que queremos. E tu vais ter que descobrir o teu próprio caminho, e o teu próprio poder.”
“Mas eu sou apenas uma rapariga medonha, de uma casa medonha de gente medonha numa floresta de segredos.”
O sapo, rindo-se novamente, retorquiu. “Eu sou um sapo, sou grande e medonho. Sou uma criatura feia por natureza. Não sou mais do que isso, e no entanto sou livre e feliz.”
A rapariga, compreendendo o que o sapo quis dizer, levantou-se calmamente, pôs-se de bicos de pés e beijou o sapo.
“O que vais fazer agora, rapariga medonha?” perguntou o sapo.
“Vou fugir.”

Tomás J. A. Pinto

testing. TESTING [from the floor to the door]


sexta-feira, 1 de junho de 2007

crowds


CROWDS
. HuMAn covering is own little significant quarter of dirt.

Set apart form the rest of the creatures.

Human. Human. Human. Human. Human. Human. Human. Human. Human; Human Kind(ness). H.S.




(do grego agora - mercado + phobos - medo)



Lab rat. Maze. Lab rat. Maze. Lab rat. Maze. Lab rat: Maze.

ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ

Carnaval universal.

Sinto-me rodeado de pessoas. Talvez seja verdade, e as sombras carnavalescas que me rodeiam são estátuas vivas de carne, sem sentimento ou propósito, penduradas como carcaças de animais mortos, expostos no talho a uma terça-feira. Estão à espera que alguém os diga o que fazer, o que ser, quando respirar, e como. Apetece-me gritá-los. “Andem. Sejam, seus idiotas!”. Mas não consigo. As palavras não me saiem da boca. Não porque não queira. É que os meus lábios estão fechados sobre dentes serrados. Fui feito assim.

Um pombo senta-se no meu obro, e excrementa-o com os resíduos gástricos do seu pequeno almoço. Não haverá de ser a última vez.

A praça encontra-se menos agitada que o normal, mas as pessoas ainda não conseguiram largar o hábito dos passos altos e violentos. São tantas, e tantas. Eu permaneço, imóvel, rodeado de almas. Ocas, ocupadas, sãs, e nem por isso. O velho continua sentado no banco velho, olhos lacrimejados e vermelhos. Um mar de gente que não lhe lembra outros tempos. Os prédios, edifícios e fachadas são a sua companhia. Permaneçem. Permaneçem inalteradas. Uma breve vasculhadela à nostalgia pessoal e regressa à realidade. Um olhar permanente, leve e tedioso. A cara apoiada numa mão trémula, sem carne. Carne comida pelos dias. Antropofagia cruel. O que devia importar não resite, descartado.

Um rapaz olha o velho e pergunta-se se será assim, e eu verei a sua carne a ser comida pelos dias. Verei um rapaz a olhar para ele, a perguntar se será assim.

Eu permaneço e observo. Sou a testemunha imortal do plano inconstante. Das multidões. De onde as pessoas vão para existir, afirmar o seu grito presencial, e onde se sentem mais sozinhas, regressando com o velho sol a descer, numa luminosidade que gaba o seu lugar no universo. Central. Algo que eles não são.

Eu sou o sol do meu universo. Central. Eu sou a testemunha das multidões. Eu sou a estátua do meu universo. Sou a estátua de bronze decorativa. Permaneço, sem conseguir gritar de lábios fechados e dentes serrados de pombo ao ombro “Andem. Sejam, seus idiotas”.

Tomás J. A. Pinto