sexta-feira, 1 de junho de 2007

Carnaval universal.

Sinto-me rodeado de pessoas. Talvez seja verdade, e as sombras carnavalescas que me rodeiam são estátuas vivas de carne, sem sentimento ou propósito, penduradas como carcaças de animais mortos, expostos no talho a uma terça-feira. Estão à espera que alguém os diga o que fazer, o que ser, quando respirar, e como. Apetece-me gritá-los. “Andem. Sejam, seus idiotas!”. Mas não consigo. As palavras não me saiem da boca. Não porque não queira. É que os meus lábios estão fechados sobre dentes serrados. Fui feito assim.

Um pombo senta-se no meu obro, e excrementa-o com os resíduos gástricos do seu pequeno almoço. Não haverá de ser a última vez.

A praça encontra-se menos agitada que o normal, mas as pessoas ainda não conseguiram largar o hábito dos passos altos e violentos. São tantas, e tantas. Eu permaneço, imóvel, rodeado de almas. Ocas, ocupadas, sãs, e nem por isso. O velho continua sentado no banco velho, olhos lacrimejados e vermelhos. Um mar de gente que não lhe lembra outros tempos. Os prédios, edifícios e fachadas são a sua companhia. Permaneçem. Permaneçem inalteradas. Uma breve vasculhadela à nostalgia pessoal e regressa à realidade. Um olhar permanente, leve e tedioso. A cara apoiada numa mão trémula, sem carne. Carne comida pelos dias. Antropofagia cruel. O que devia importar não resite, descartado.

Um rapaz olha o velho e pergunta-se se será assim, e eu verei a sua carne a ser comida pelos dias. Verei um rapaz a olhar para ele, a perguntar se será assim.

Eu permaneço e observo. Sou a testemunha imortal do plano inconstante. Das multidões. De onde as pessoas vão para existir, afirmar o seu grito presencial, e onde se sentem mais sozinhas, regressando com o velho sol a descer, numa luminosidade que gaba o seu lugar no universo. Central. Algo que eles não são.

Eu sou o sol do meu universo. Central. Eu sou a testemunha das multidões. Eu sou a estátua do meu universo. Sou a estátua de bronze decorativa. Permaneço, sem conseguir gritar de lábios fechados e dentes serrados de pombo ao ombro “Andem. Sejam, seus idiotas”.

Tomás J. A. Pinto

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