terça-feira, 12 de junho de 2007

O conto do caminho.

Era, certa vez, uma rapariga medonha que procurava sapos. Procurava espreme-los e lamber-lhes as costas. Fugia, pelo mato, para fugir ao lar, medonho abrigo de medonha gente. Fugia à procura de sapos, com galhos atordoados frenéticamente a tentar fugir ao cabelo enrolado, atado em nós.
Ao correr pelos arbustros, encontrou um caminho. Era uma coisa invulgar, fora do sítio. Curiosa com o facto de haver um caminho onde não havia caminhos, perguntou aos ventos e às folhas quem o tinha feito. Entrou a correr pelo caminho, a fugir da casa medonha. A sua natureza bruta anseiava pelas respostas, mas não esperava por elas. O sapo corria-lhe nas veias. As elevações do sangue azul nos pulsos assustava-a, mas continuava determinada em encontrar as respostas no fim do caminho.
Era um arrastão de terra que compunha a fresca via, que depressa serpenteava para dentro da densa floresta, que de galhos frenéticos procurava abraçar almas de sangue vivo, quente, activo. À medonha rapariga nenhuns galhos queriam tocar. Afastavam-se com o vento, que subia com a noite, em chuvas de folhas e sombras. As primeiras gotas da noite comunicavam-lhe pensamentos, e a rapariga começou a chorar, lentamente, contida, na esperança de que as lágrimas seriam apenas as primeiras gotas da noite. Não contendo os soluços e as lágrimas, gritou um grito ecoante, como se a floresta fosse uma clareira de ruínas ancestrais. “Porque é que ninguém me quer? Estou viva e quero fugir! Porque é que niguém me leva?” gritou entre os soluços. Era uma floresta antiga, cheia de vida e segredos.
Caída no chão, com a chuva a manchar-lhe o vestido rasgado, sentiu um tremor, crescente. A intensidade do tremor uniu-se ao batimento do seu coração. Viu que estava no fim do caminho, e um sapo gigantesco aproximava-se dela.
“O que se passa, rapariga medonha?” perguntou suavemente o sapo, a proteger-lhe da chuva com o enorme braço. “O que anseias?”
“Quero fugir” disse a rapariga, deitada no chão.
“E porque não foges?”
“Porque não consigo, e não há caminhos”.
Rindo-se calorosamente, o sapo viu o brilho que este causara nos olhos da rapariga medonha.
“Mas eu faço caminhos, e posso ir e vir quando quiser. Tu também podes. É só quereres.”
“Mas…”
“Tu tens poder, rapariga medonha, e podes fazer o teu próprio caminho.”
“Mas eu não sei fazer caminhos. Ensinas-me?”
“Não.”
“Porquê? Porque não me ensinas. É o que eu quero mais no mundo.”
“Raramente sabemos o que queremos. E tu vais ter que descobrir o teu próprio caminho, e o teu próprio poder.”
“Mas eu sou apenas uma rapariga medonha, de uma casa medonha de gente medonha numa floresta de segredos.”
O sapo, rindo-se novamente, retorquiu. “Eu sou um sapo, sou grande e medonho. Sou uma criatura feia por natureza. Não sou mais do que isso, e no entanto sou livre e feliz.”
A rapariga, compreendendo o que o sapo quis dizer, levantou-se calmamente, pôs-se de bicos de pés e beijou o sapo.
“O que vais fazer agora, rapariga medonha?” perguntou o sapo.
“Vou fugir.”

Tomás J. A. Pinto

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