segunda-feira, 26 de março de 2007

Verdades anatómicas da personalidade

Não narro a velocidade fictícia dos irmãos Alegre e Feliz, mas o seu fundo de verdade e consistência. Da Tristeza, que tentou sempre alcançar a sua medida de conforto, falo da sua dormência de brisa passageira, para logo submergir nas águas turvas de Incapacidade. A Vontade veio à Incapacidade e forçou-a a levantar-se, a apoiar-se no joelho e agarrar a mão que a guiava na tormenta. O Engano, de cabeça leve e dada a impulsos espasmáticos, explorando os caminhos bravos e sombreados da montanha, encontrou a Mentira encostada a um grande rochedo, e a Mentira chamou-o. Deparando-se com a facilidade com que o Engano era enganado, a Mentira depressa o usou, tornado-se a Emoção mais dissimulante e a mais receada de todos. A Desconfiança muito se preocupou com esta situação, ora sempre pedida a intervir cada vez que alguem encontrava a Mentira. A Fé mantinha-se alta e frágil, sempre pronta a encontrar a Esperança, e a segui-la nas suas batalhas. Confiança e Orgulho eram irmãos. Sendo súbtis, eloquentes e bravos guerreiros, depressa alcançaram as fileiras da Força. A Vaidade, que passava os seus dias à beira de um lago, olhava perpétuamente para as águas calmas que reflectiam a sua titânica face. Cresceu, e continuou a olhar para o reflexo. Envelheceu e continuou a olhar para o reflexo, sempre enamorada das suas formas, e admirava-se cada vez que encontrava algo novo em si mesmo, rejubilando. Morreu olhando para o reflexo, de coração partido por saber que uma coisa tão bela tinha deixado a terra e a água que a formaram, e por saber que não encontrou os Irmãos do Contentamento, e a sua vida ter sido uma infrutífera. O Destino, que jogava por fora observando as Emoções, só era conhecível, e dado a nós intrigarmos acerca da sua peculiar personalidade, quando pisamos os campos da Escuridão. Esta é a história de Nós e das Emoções, sinais do Caminho e da Força, que estavam além do Bem e do Mal, e que já deixaram este plano.

Tomás J. A. Pinto