terça-feira, 17 de abril de 2007

As marcas lacrimais do pó

O velho pendura, balança e parte.
“S-s-s-s-s-s-s-ssshhhh!” sussura o velho para as sombras, desgastado das explicações que teve de dar aos seus alucínios, de maneira a calar-lhes. Entre lágrimas e votos de vontades e arrependimentos, o velho vê nas sombras as figuras distorcidas e alienígenas, que logo a doença trata de ajustar, das pessoas que compuseram a sua vida. Chega-se ao fim e o que resta é o pó e fotografias. A alegria de tempos passados suporta a cabeça velha de tempos em tempos. O velho sabe que já foi um homem. Que já foi um héroi para os filhos, para os netos. Não resta mais do que um corpo decrépito e sem força. Suspirando no meio de lágrimas, a sua vontade é determinante, e mandando calar novamente os anjos nas sombras que o tentam dissuadir, ele beija as fotografias poeirentes, passando a mão por elas, relutante em largar a última coisa terrena em que encontra significado.

Tomás J. A. Pinto

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