terça-feira, 17 de abril de 2007

Cafeína e multidões

A manhã. 28 de Agosto. Não acredito que ainda há vinte minutos esperava que o homem do café da esquina me desse o café, e já estou a correr pelo meio das explosões e de agressões várias. Não conseguiria aguentar isto se não fosse o café, claramente. Ao ritmo que a cafeína corre do estômago para a circulação sanguínea para o cérebro, as multidões correm para os abrigos. O alarme já soou há dez minutos e ainda sinto os rebentamentos de um morteiro pouco amistoso atrás de mim. Pedaços de uma menina que fugia com a mãe cobriram-me prontamente o cabelo. Dinheiro jogado fora, a despesa do cabeleireiro. Ando, e ando, e esfolo o joelho. Ao mesmo tempo sinto o espernear dos vários corpos estendidos ao sol, como se isto fosse uma praia raios! Os olhos deles estão vivos, apesar deles estarem mortos. Vivos com uma certeza de que tiveram uma vida curta, a implorar por mais um bocado de tempo, que agora já não podem fazer tempo para ele. Quem saberia que esta gloriosa manhã de Agosto fosse estragada pela vontade de um grupo de rapazes a brincar às guerras. O sol, apesar de cedo, já produz gotículas suadas no meu corpo, colando-me a camisa às costas. Raios, e o abrigo? Oiço vozes cortadas que gritam ritmadas com o alarme. Avisam-me do caminho a tomar. Milagres mandados dos céus para me esclarecer. Lá chego ao abrigo, deparando-me com um cenário animador. Uma data de cádaveres estilhaçados por rapazes que sarcásticamente pensaram ser divertido perseguir uma pessoa até ao local seguro, para a poucos metros da salvação retirarem a vida aos esperançosos. Que belos sorrisos devem ter esboçado, a ironia selvática a escorrer da boca, misturada com a baba. E porque não seria eu um daqueles rapazes? Seria muito mais seguro. Mas o abrigo é já aqui, e não me apetece rejeitar os meus princípios ao mais leve dos pensamentos traidores. E fizeram-me entornar o café.

Tomás J. A. Pinto

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